Vou contar a história para vocês, que não compraram o livro... Em 1991, ano do tricampeonato, pegamos o trem-bala para ir de Tóquio ao autódromo em Suzuka. No Japão, a cultura é diferente e cada pessoa carrega a sua mala. Pode ser o campeão do mundo, não interessa. Ayrton corria com Gerhard Berger - que acabou virando seu grande amigo na Fórmula 1 e é meu amigo até hoje - e ambos estavam no trem.
Berger adormeceu logo. Olhei para Ayrton, fiz um gesto com a cabeça, ele fez um sinal de positivo - a gente se entendia por olhares na hora da bagunça. Ele jogou para mim um tubo de gel de barba. Eu fui até a mala de Berger, abri, e a primeira coisa que vi foi um sapato. Berger só andava de tênis, mas tinha esse sapato por causa de um evento naquela noite, que exigia terno. Enchi os dois pés do sapato de gel.
Eu também tinha sido convidado para o evento da noite. Estávamos todos no hotel do circuito de Suzuka e lá fomos, Ayrton e eu, bater no quarto do Berger. Ele abriu a porta e saiu correndo atrás de nós, três malucos numa carreira até a recepção do hotel. Depois, a esposa do Berger, Ana, uma portuguesa, me contou que ele tinha se arrumado todo, enfiado os dois pés no gel - shplaft, shplaft - e começando a gritar "Galibao! Galibao!", a coisa mais próxima de Galvão que ele conseguia falar.
Chegamos para o jantar com Ron Dennis e os patrocinadores e Berger, de terno e tênis, mostrando o dedo do meio para mim toda vez que me via. "Você se deu mal", me disse o Ayrton. "As nossas brincadeiras são de criança, você não sabe do que ele é capaz."
No domingo, Joseph Loeberer, um austríaco, funcionário da McLaren, me ofereceu um suco de laranja. Eu cheguei a estender a mão, mas alguma coisa me fez dizer "não, obrigado". Loeberer era nutricionista, massagista, personal trainer, era ele quem fazia o café da manhã da equipe nos dias de corrida. Ficou nosso amigo, falava algumas palavras em português, uns palavrões que eu e o Ayrton tínhamos ensinado a ele. Joseph insistiu: "Papagaio, tá calor, aceita um suco de laranja geladinho, acabei de fazer". Quando ele veio pela segunda vez, aí é que eu resolvi não tomar mesmo, e pensei: "Aí tem o dedo do Berger."
Fiz a corrida, Ayrton ganhou o tricampeonato. Foi a corrida em que ele deixou Berger passar no final, situação que rendeu meu único memorando de advertência de Boni na vida. Quando Senna abriu para Berger, comecei a gritar "Eu já sabia! Eu já sabia!". Tomei um esporro enorme de Boni: " Se você sabia, por que não contou antes? Era sua obrigação profissional".
Boni estava certo mais uma vez. Pelas conversas antes da corrida, eu tinha entendido que eles tinham montado uma estratégia, e que Ayrton, se estivesse com o título garantido, deixaria Berger vencer. mas eu tinha que ter explicado isso na hora certa e não fiz.
Á noite, depois do jantar de comemoração, Ron Dennis olhou para mim: "Você não tá com sono?".
Aí Ana, mulher de Berger, me contou: "Você não sabe do que escapou. Gerhard botou uns quatro, cinco comprimidos para dormir no suco de laranja."
Se eu tivesse tomado, a TV Globo teria gasto dinheiro para eu ir até o Japão e transmitir o tricampeonato e eu teria dormido na cabine. Já pensou?
Eu no chão, dormindo, apagado, e Ayrton vencendo...
Assim era as brincadeirinhas de Berger. Na festa, ele ainda me disse: "Você tá me devendo uma, Galibao".
Estou devendo até hoje.
Esse é o trecho de seu livro, que Galvão conta uma de suas brincadeirinhas com Berger, que quase acabaram mal para o narrador. E como eu disse no começo do texto, é uma boa história para pensar nas brincadeiras, gosto delas, mas todas tem seu limite, e na minha opinião essa não era o limite, mas o austríaco é um tipo de pessoa que não deixa barato quando brincam com ele...
Imagens tiradas do Google Imagens
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