sábado, 17 de junho de 2017

50 anos - A tragédia de Caserta


Há 50 anos, a Itália, mesmo sendo uma histórica potência no automobilismo, tinha apenas três circuitos permanentes em seu território, o de Monza, o de Vallelunga e o de Enna-Pergusa. Essa situação colocava a Fórmula 3 Italiana, uma das mais renomadas da Europa, para correr em circuitos de rua espalhados pelo país, dentre eles os de Imola, Mugello e, um desconhecido para nós, no momento, Caserta.

Localizada à norte de Nápoles, a pequena comuna italiana tem, como principal ponto turístico, um palácio construído por Carlo VII di Napoli (também conhecido como Carlos III da Espanha) no século XVIII. 

Quase duzentos anos depois, já no séc XX, a prefeitura local decidiu realizar uma prova automobilística ao sul do Reggia, formando um desafiador triangulo onde curvas cegas eram comuns em meio à tantos edifícios. O sucesso foi imediato. A corrida em Caserta era popular entre todos os moradores da cidade, que se amotinavam aos arredores da pista para acompanhar os pilotos e suas máquinas. 

Passada a II Guerra Mundial, o automobilismo começou a evoluir. Todos os circuitos de rua tinham seus próprios boxes e arquibancadas, que davam conforto às equipes e ao público. A evolução também era visível nos carros, que a cada ano estavam mais rápidos ao mesmo tempo que nenhuma mudança era feita em nome da segurança. Para se ter uma ideia, não havia um corpo médico especializado e pronto para qualquer emergência nem na Fórmula 1, quem dera para as categorias menores...


O circuito de Caserta não era exceção em colocar apenas fardos de feno ao redor de seu traçado, deixando ainda muitos pontos sem qualquer proteção além de um muro, que separava os edifícios da calçada. Naquela altura, todos os anos, a Fórmula 3 Italiana dava um jeito de passar pela cidade, colocando jovens pilotos e milhares de pessoas em risco.

Há exatos 50 anos, num 18 de junho, a categoria estava na comuna para a realização da XVII Coppa d'Oro Pasquale Amato. Num grid que, entre tantos nomes desconhecidos, ainda apresentava Ernesto Brambilla, Andrea de Adamich, Silvio Moser, Clay Regazzoni e Giacomo Russo (de codinome Geki). Para a prova, poucos voluntários se apresentaram para assumirem o posto de fiscais, enquanto alguns soldados eram chamados para conter o público de invadir a pista.

Não encontrei registros de como fora a largada e quem estava liderando as primeiras voltas. O que pode ser visto é que, na sétima volta, o jovem suíço Beat Fehr se envolveu num acidente com Andrea Saltari, que fraturou a perna, na entrada da Via Domenica Mondo, onde a pista se reduzia à meros 6 metros de largura e era cercado por muros de pedra. Para piorar, do lado interno da curva, estava uma das filiais da ENEL (companhia elétrica italiana).

Fehr tenta empurrar os restos de seu BT18 para fora da pista com ajuda de alguns civis, enquanto Franco Foresti se aproxima, e, para não atingir nem Fehr e nem Saltari, vai direto ao muro, espalhando uma longa macha de óleo por todo asfalto. Sem nenhum fiscal por perto, o grupo de lideres chegou muito rapidamente.


Brambilla, Maglione, Geki, Manfredini e Regazzoni escapam, mas Jürg Dubler levanta voo e para após atingir um poste. Surpreendentemente, ele saiu ileso de seu carro. Vendo a situação, Fehr passou a sinalizar desesperadamente na tentativa de alertar os outros competidores da situação. Na nona volta, Brambilla e Maglione novamente passam ilesos, mas os outros três que seguiam logo atrás não...

Tentando ganhar posições, Geki não vê Fehr e atropela o suíço. Ambos morreriam instantaneamente, enquanto o carro do italiano ainda embateria de frente num muro de pedras que antecedia a ENEL, citada anteriormente. Regazzoni e Corrado Manfredini conseguem sair ilesos, enquanto Romano Perdoni e Massimo Natili, também de forma imprudente, não diminuem a velocidade o suficiente para evitar a batida.

Natili ainda conseguiria manter o carro em condições de voltar à prova, mas Perdoni ficaria preso num bólido reduzido à ferragens. Naquela altura, o carro de Geki já estava em chamas, enquanto Dubler tentava apaga-las. Perdoni passou a ser assistido pelos outros pilotos e por soldados italianos, que foram instruídos para ligar ao resgate. Como havia apenas telefones públicos, precisou-se arranjar dinheiro para conseguir fazer um mero telefonema.

Os comissários de prova, por estarem nos boxes, não viram e tão pouco imaginavam o que estava acontecendo. O serviço de regaste demoraria a chegar, e mesmo assim não teria as ferramentas necessárias para retirar Romano Perdoni de seu de Sanctis. Uma barra tinha penetrado o joelho do italiano, que ainda estava consciente quando o carro de Tino Brambilla levantaria voo.


Brambilla e Maglione, ainda, obviamente, líderes, chegaram mais uma vez ao local do acidente, e de forma absurda, também acabariam no muro. Ambos saíram ilesos, mas Regazzoni, que tentava retirar Perdoni de seu carro, teria de se espremer na parede para não ser decapitado por Brambilla. A situação era um caos.

Muito tempo depois, Perdoni seria libertado por meio de suas próprias ferramentas, que ele sempre trazia e deixava nos boxes. Natili havia conseguido ir até lá para pega-los, alertando também a direção de prova, que interrompeu a corrida.

Em quatro voltas, mais de dez carros se envolveram no mais obscuro, bizarro e terrível acidente ocorrido numa prova de Fórmula 3 na Itália. Para piorar, Geki e Fehr morreram no local, enquanto Tiger, apelido de Perdoni, faleceria oito dias depois. Caserta havia sido palco de um incidente causado, de forma absurda, pelos próprios pilotos.

Aqueles jovens imprudentes, por se dizer no minimo, foram motivos de protestos para a supressão da edição de 1967. Nenhuma outra categoria correria no circuito de Caserta, que, como todo e qualquer circuito de rua do mundo, cairia em desgraçada com a pouca adesão dos campeonatos menores de monopostos. Poucos conseguiriam sobreviver, dentre eles Pau e Macau.

Uma imagem que representa a tragédia.

Tudo que os italianos queriam é que nada de ruim acontecesse naquele domingo, afinal, poucas semanas antes, Lorenzo Bandini havia morrido em Mônaco e Boley Pittard em Monza. De qualquer forma, o ocorrido em Caserta marcou o fim e o início de uma nova era na segurança. A Fórmula 1, numa tacada só, perdeu dois dos mais promissores pilotos da época (Fehr e Geki), e ainda poderia ter perdido Regazzoni.

Imagens tiradas do Google Imagens.

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